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Por Rita Xavier e Isabel Moreira da Silva, em entrevista a Nuno Faria
14 Fevereiro 2020
Reprogramemos a forma como pensamos e nos relacionamos com os museus. É esse o repto que nos lança o Museu da Cidade, a novíssima identidade matriz que abraça os 16 espaços museológicos municipais. O corpo de programação que faltava para um museu que se estende como uma raiz, disseminando-se em todas as extensões da cidade.
Quando o presidente da Câmara do Porto lhe dirigiu o convite no ano passado, “foi muito assertivo sobre o desafio que tinha em mãos”, recorda Nuno Faria, diretor artístico do Museu da Cidade. Rui Moreira queria “fundar verdadeiramente o Museu da Cidade”, um sistema policêntrico que conseguisse, por fim, dar solução “a uma identidade muito difusa”, que se diluía no conjunto de equipamentos que compõem a rede municipal de museus.
Depois de conversas até altas horas e de o autarca lhe ter proposto um tempo de observação, que permitisse a Nuno Faria imergir no universo museológico do Município do Porto, a leitura foi-se aclarando à medida que os problemas de linguagem e de comunicação, por contraste, emergiam. “A impressão com que ficámos é que, internamente, criámos uma resistência à mudança. Paulatinamente, comecei a perceber os contornos e o que não funcionava. E que não funcionava é que o Museu da Cidade não tinha, ele próprio, uma identidade. Ninguém sabia exatamente o que era, até porque teve várias faces”, analisa o também curador, que já passou pelo Instituto de Arte Contemporânea, pela Fundação Calouste Gulbenkian e que, nos últimos cinco anos, assumiu a direção artística do Centro Internacional das Artes José de Guimarães (CIAJG).
Feita a radiografia, Nuno Faria e a sua equipa prepararam a fundação do Museu da Cidade e programaram o seu anúncio à cidade. A identidade gráfica foi desenhada pelo coletivo portuense R2 e espelha, em definitivo, “o seu carácter poliédrico”, agora sustentado num maturado projeto, que também impôs algumas mudanças ao nível da semântica da rede. A identidade-mãe Museu da Cidade passa a primeira designação no cartão-de-visita de cada um dos equipamentos; alguns espaços são rebatizados, como por exemplo o Museu Romântico passa a chamar-se Estação do Romantismo; a palavra “museu” cai para evitar a duplicação.
Há ainda uma segunda grande novidade associada a esta estruturada e definitiva roupagem. Aproveitando a vantagem de ter “um museu à escala da cidade”, sem paralelo em Portugal e inovador ao olhar transfronteiriço, o diretor artístico serviu-se da sua “geometria variável” para alicerçar o Museu da Cidade em cinco eixos: Eixo Sonoro, Eixo Material, Eixo Romantismo, Eixo Natureza e Eixo Líquido.
Estes cinco mapas que atravessam as 16 estações museológicas – e também a cidade – abrem ao visitante a possibilidade de engendrar o seu próprio percurso sob variadíssimas formas. Em suma, estabelecem relações de multiplicidade e de heterogeneidade, comos se de um “museu-rizoma” se tratasse, propõe Nuno Faria. Ou uma “espécie de rede de metro, com várias paragens”, sugere Rui Moreira.
BIBLIOTECA SONORA É O CORAÇÃO DO MUSEU DA CIDADE
Durante o período de observação, Nuno Faria deparou-se com a Biblioteca Sonora, discreto projeto da Biblioteca Pública Municipal do Porto, criado em 1972 para pessoas com necessidades especiais, nomeadamente invisuais. A sua “nobre missão” cativou-o e foi nele que encontrou a força-motriz de um Museu da Cidade que pretende também contar histórias e produzir narrativas. “O Eixo Sonoro será o eixo por onde tudo irradia. Vamos trabalhar com músicos, compositores, sound designers, sonoplastas e contadores de histórias e vamos criar um estúdio para nobilitar ainda mais este projeto”, assinala o responsável.
Do Reservatório, localizado na Pasteleira, passando pela Biblioteca Sonora, no coração da cidade, verdadeiramente pioneira na difusão do livro falado, terminando com a Extensão da Natureza na Bonjóia, são portanto distintas e variadas as propostas para explorar o Museu da Cidade.
NATUREZA É O PRIMEIRO TEMA DA PROGRAMAÇÃO
A Natureza é, aliás, tema-âncora da programação lançada para o próximo quadrimestre, que arranca a 14 de fevereiro com a exposição de Ilda David’ “Por trás das árvores há um outro mundo”, no Gabinete de Desenho da Casa Guerra Junqueiro e, a 27 do mesmo mês, “Livros são árvores, bibliotecas são florestas”, na Biblioteca Municipal de São Lázaro.
Prosseguem ainda obras de requalificação nos equipamentos, iniciadas em 2017 com intervenções na Casa Guerra Junqueiro, na Casa Marta Ortigão Sampaio, no Reservatório, dedicado à história material da cidade, ou no Museu do Vinho do Porto, que expande a sua vocação enquanto posto avançado de toda uma região, agora rebatizado Extensão do Douro.
Destaque ainda para a encomenda feita ao arquiteto Camilo Ribeiro, para desenhar pavilhões de jardim instalados em cinco espaços do Museu da Cidade, numa lógica de experimentação e sustentabilidade com algumas das principais indústrias.
Muitas serão as atividades previstas para um museu em recriação, como as plataformas de discussão abertas à comunidade, que vão permitir refletir e concretizar o que queremos para o Museu da Cidade. Nuno Faria partilha aquela que é a sua visão para este espaço: “para mim o museu é um lugar de gravidade e não de distração; talvez dos únicos sítios onde podemos estar sozinhos connosco próprios. Num mundo que está manifestamente em crise, que não sabe bem qual o seu horizonte de expectativa, é interessante pensar como pode o museu acompanhar essas angústias e nos pode ajudar a criar um imaginário que nos permita superá-las”. Estamos preparados para embarcar na viagem?