António Veiga Leitão
Curadoria do Núcleo de Programação do Museu da Cidade com Filipe Feijão
23 ABR–12 SET 2021
MUSEU GUERRA JUNQUEIRO
A exposição apresenta um conjunto heteróclito e extenso de construções, máquinas, papagaios voadores, esculturas em madeira, objetos, materiais, documentos, imagens, entre vários outros, que foram produzidos ou que pertenciam a António Veiga Leitão (Porto, 1929 – Caldas da Rainha, 2013).
Intitulada A obliquação da gravidade, formulação mais ou menos críptica, e também poética, que resume a pesquisa de contornos utópicos a que se dedicou durante largos anos da sua vida, tem por âmbito dar a conhecer um universo criativo extraordinariamente idiossincrático e surpreendente, que não se deixa aprisionar por nenhuma categorização nem poderá ser integralmente apreendido por nenhuma tentativa de descrição.
Todo o trabalho criativo de António Veiga Leitão, irmão do poeta Luís Veiga Leitão, está impregnado de uma lógica de desvio de sentido de matriz duchampiana muito próxima do espírito surrealista ou dadaísta. Há nele um método que é, por um lado, rigoroso e meticuloso, conceptualizado ao extremo, através do cruzamento de diversos campos disciplinares, e, por outro lado, integralmente baseado na artesania, no fazer, na bricolagem e ancorado no culto do detalhe, que por vezes permanece oculto à vista desarmada.
Segundo todas as evidências poéticas, era um ser aéreo, dedicado aos insondáveis desígnios da imaginação. No universo criativo que construiu tudo se relaciona com tudo, tudo está ligado a tudo por uma lógica de migração de formas, de temas e de símbolos. Nesse sentido, o trabalho de Veiga Leitão constitui-se como uma espécie de cosmogonia, de micro-representação do cosmos, em que o artista tenta recriar as leis universais que regem as relações entre os seres, não sendo por isso estranho que entre os temas a que mais tempo dedicou estejam a astronomia, a aerodinâmica e a sustentabilidade, nomeadamente através de uma forte preocupação com as energias renováveis (em particular eólica e solar).
Sempre desenhou e o desenho percorre e liga todo o seu pensamento e prática. Desde o desenho técnico até ao desenho de retrato, passando pelo desenho de esquemas e de mecanismos para a construção das suas máquinas, mas também ao desenho de engenhos voadores e ao desenho-escrita, por exemplo.
António Veiga Leitão trabalhou durante 30 anos na Fábrica ROL como chefe dos Serviços Técnicos/Comerciais. Os documentos que consultámos, alguns redigidos pela sua própria mão, dão-nos uma clara imagem de alguém com fortes preocupações laborais, exigente em igual medida para com a administração da empresa e para com os operários que coordenava, mas igualmente zeloso do bem-estar e da dignidade do exercício laboral. Ligado ao Partido Comunista, era também um homem fortemente empenhado politicamente.
Foi nos intervalos da sua atividade profissional e depois de se ter reformado, devido a problemas de saúde, que desenvolveu uma obsessiva e, em grande medida, misteriosa prática experimental que tocava um conjunto imensamente variado de temas e de meios.
Há uma dúvida radical e aparentemente insanável que se coloca ao fazedor (seja artista, cientista ou artesão): o trabalho faz-se a fundo perdido, quer dizer, para passar o tempo, ou faz-se, pelo contrário, para acrescentar ou resolver algo, para produzir utilidade e aplicabilidade, dito de outra forma, para mudar o curso do mundo?