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Cadernos A & B: Prelúdio e Fuga

MUSEU GUERRA JUNQUEIRO

© Antonio Alves

Um gabinete de desenho não é propriamente um arquivo (com documentos visuais ou escritos), é antes um atlas de imagens em potência, em devir, que encerra um sentido de (forçosamente ilusória) totalidade: os mundos do mundo ou o mundo no mundo. Um atlas dá (dá-se) a ver e ler, em simultâneo, seja no plano vertical (a parede) ou horizontal (a mesa), tableau ou table, como dilucida a língua francesa.

 

O desenho é, para Jorge Feijão, prática e temática. Desenhar é trazer clarividência ao mundo, primeiro gesto, ou gesto primordial, e cordão umbilical da memória da infância ou da infância da memória.

Sendo da ordem do visual, um desenho não se limita, porém, a ser uma imagem. Engendra um rasto material, é propiciado pelo corpo e pelo gesto, negoceia, gere forças que, não raramente, preexistem ao desenhador. Como um médium, um ser extático, o desenhador deixa-se atravessar por energias que traduz em formas e formas que transforma em energias, e fá-las emergir na folha de papel (no mais comum dos casos).

 

Para esta exposição, o desafio lançado ao artista, e que resulta de uma continuada visita ao seu ateliê, nas Caldas da Rainha, foi de apresentar, sem selecionar, estes desenhos, que são extraídos e constituem a totalidade de dois cadernos de desenho.

Entre o esquiço e o acabado, a luz e a escuridão, a velocidade e a ponderação da mão e do pensamento, a série de desenhos, de pequeno formato, constitui-se como um imenso palimpsesto de motivos que se assemelham a um atlas de imagens, próximo, na sua diversidade temática e formal, dos primeiros museus, justamente conhecidos por “gabinetes de curiosidades”.

 

Como apercebemos, no trabalho do autor cabem todas as coisas, de todos os tempos e lugares, desde as mais rasteiras às mais aéreas, das mais abjetas às mais sublimes. O desenho procede como o pensamento; constitui-se como chamamento em que tudo tem integridade, em que tudo é digno de existir, em que nada, quando aparece, quando se manifesta, quando nasce para o mundo, está ainda limitado pela moral ou pelo preconceito. É, por isso, a mais pura manifestação da liberdade humana.