Nova 012
5 abril 2021
A proposta do contrato de comodato permitirá que a coleção particular de Távora Sequeira Pinto seja mostrada na futura extensão do Museu da Cidade. Desenvolvendo-se na zona oriental, assim prossegue a construção de um museu à escala da cidade que constituirá uma das valências culturais do amplo projeto de reconversão em curso do antigo Matadouro Industrial de Campanhã.
Previsto para inauguração em 2023, este é mais um passo que se anuncia para o desenvolvimento do projeto do Matadouro, com assinatura do arquiteto japonês Kengo Kuma, em parceria com o ateliê portuense OODA. Depois de em outubro do ano passado, o auto de consignação ter dado o arranque oficial deste importante projeto-âncora que constituirá um novo ecossistema da zona oriental e de toda a cidade, começam a criar-se condições para o nascimento dos projetos culturais que ali terão lugar.
O novo Museu da Cidade terá ali mais uma extensão, aquela que terá a oportunidade de acolher a coleção Távora Sequeira Pinto, uma das mais relevantes e valiosas coleções residentes em Portugal.
Em reunião de Câmara esta manhã, Nuno Faria, diretor artístico do Museu da Cidade, revela a singularidade de algumas das peças, parte de um conjunto de conjunto que se estende pintura, escultura, desenho, a mobiliário, têxteis, ourivesaria, objetos religiosos, de uso quotidiano, objetos exóticos, entre outros mais particulares. Adquiridas por Álvaro Sequeira Pinto, fruto de intenso estudo e dedicação pessoal, o espectro temporal e geográfico é também ele vasto, entre a Índia, a China e o Japão, ou outros países em que a presença dos portugueses foi historicamente importante, tendo incidência nos séculos XV e XIX, mas ampliando-se à antiguidade clássica e a outras épocas.
A coleção com enfoque humanista, assenta na ideia de “contaminação e de fusão de formas, de motivos e de materiais que dão corpo a um sincretismo religioso, espiritual e cultural“, como afirma Nuno Faria, reforçando que este protocolo de comodato das peças, não só acrescenta valor à coleção municipal, como a projeta para um patamar de excelência internacional. Note-se que algumas das peças desta coleção que começa a consolidar-se desde a década de 80, foram apresentadas em importantes instituições desde a presença na Europália 91′ na Bélgica, como pelo V&A Victoria and Albert Museum, em Londres, os Museus Capitolinos, em Roma, e o Asian Civilisations Museum, em Singapura, e que encontram agora neste espaço, lugar para que possam, pela primeira vez, ser mostradas no seu conjunto integral para fruição dos habitantes da cidade e daqueles que a visitam.
Dada a sua abrangência e localizada no momento da expansão marítima e comercial dos portugueses, a coleção Távora Sequeira Pinto constitui para Nuno Faria um fascinante mosaico de influências recíprocas, e por essa razão é um campo de estudo particularmente fértil.
Por outro lado, e na construção de um museu para o tempo atual, para o diretor artístico a extensão ainda sem nome constituir-se-á como pivotante no debruçar sobre feridas que o passado e o presente da sociedade têm aberto, contribuindo para uma reflexão “que considere os contextos e as diferentes narrativas históricas, que integre vários pontos de vista para além de uma perspetiva eurocêntrica, que as ponha à discussão, que fomente um debate descomplexado do ponto de vista social, rigoroso do ponto de vista histórico, tolerante do ponto de vista religioso, iluminado do ponto de vista espiritual, estimulante do ponto de vista museológico”.
Álvaro Sequeira Pinto, assumindo-se como colecionador emocional, partilha o que considera ser “um livro em aberto que deixo para folhear páginas de sementes”, ou uma coleção rica em “interrogações ainda nela existentes, as dúvidas por responder, os diálogos inerentes, os cruzamentos constantes.”
“Estes quase 30 anos de colecionador têm sido uma enorme viagem, com inúmeros percursos, uma grande aventura de estudo e dedicação”, realçou, sinalizando que a viagem segue agora “um novo rumo”, “que abrirá a coleção a novos diálogos, a colocará à fruição e serviço do público e a submeterá abertamente ao mundo e à ciência”.
Rui Moreira, que levou a proposta à aprovação do Executivo Municipal, assinalou este como “um dos momentos mais importantes” da sua governação, revelando que foi numa viagem a Atenas que se apercebeu de que haveria abertura de Álvaro Sequeira Pinto em disponibilizar a sua coleção para fruição do público. “É um ato de grande generosidade”, para quem o facto de a coleção ficar visitável na freguesia de Campanhã é o “sinal último do empenho da cidade relativamente àquele território”, vincou Rui Moreira.
Na zona oriental, o Museu da Cidade vai ainda construir ao longo dos próximos dois anos as extensões da Indústria, na antiga central elétrica CACE, e da Natureza, na Quinta da Bonjóia. Se na Extensão da Indústria iremos mergulhar na relação dos corpos com as máquinas nas várias facetas da industrialização; no Matadouro abrimo-nos à possibilidade de analisar multiculturalidade. A última estação da Bonjóia Extensão da Natureza, regressa à relação mais básica e fundamental com a terra, através da condição migratória das sementes e dos sabores, num projeto baseado na boca, lugar de todas as fusões.