Emanuelle Coccia
A Vida das Plantas, uma metafísica da mistura
Fundação Carmona & Costa, Documenta, (Edição de Pedro A. H. Paixão; tradução de Jorge Leandro Rosa), Lisboa, 2019.
Tudo está em tudo
[98] Se viver é respirar, será porque a nossa relação com o mundo não é ser-lançado ou o ser-no-mundo, nem sequer a relação de controlo de um sujeito sobre um objecto que lhe faça face: ser-no-mundo significa ter a experiência de uma imersão transcendental. A imersão — de que a respiração é a dinâmica original — define-se como uma inerência ou uma imbricação recíproca. Estamos em alguma coisa com a mesma intensidade e a mesma força com que ela está em nós. É a reciprocidade da inerência que faz da respiração uma condição sem saída: é impossível libertarmo-nos do meio no qual estamos imersos, é impossível purificar esse meio da nossa presença.
Inspirar é fazer o mundo vir a nós — o mundo está em nós — e expirar é projectarmo-nos no mundo que somos. Ser-no-mundo não é simplesmente encontrar-se num horizonte último contendo tudo o que podemos e poderemos aperceber, viver ou sonhar. Desde que começamos a viver, pensar, perceber, sonhar, respirar, o mundo, nos seus detalhes infinitos, está em nós, penetra material e espiritualmente o nosso corpo e a nossa alma e dá forma, consistência e realidade a tudo o que somos. O mundo não é um lugar: é o estado de imersão de todas as coisas em todas as outras coisas, a mistura que derruba instantaneamente a relação de inerência topológica.
[…]
[100] Tudo está em tudo. Esta mistura faz do mundo e do espaço a realidade de uma transmissibilidade e de uma tradutibilidade universal das formas. Mas aquilo a que chamamos transmissão é somente o eco desta inerência recíproca e de toda a coisa em qualquer outra coisa: o mundo é um perpétuo contágio.
Se tudo está em tudo, será porque tudo deve poder circular no mundo, transmitir-se, traduzir-se. A impenetrabilidade que frequentemente imaginámos como forma paradigmática do espaço é apenas uma ilusão: onde há um obstáculo à transmissão e à interpenetração, um novo plano aparece, permitindo aos corpos derrubarem a inerência que aí se estabelecera, numa interpenetração recíproca. Tudo no mundo produz a mistura e se faz na mistura. Tudo entra e sai de tudo: o mundo é abertura, liberdade, absoluta circulação, não lado a lado, mas através dos corpos e dos outros.
[…]
[101] Fazer do mundo a realidade deste derrube perpétuo da inerência de tudo em tudo significa fazer do espaço, não o nome da exterioridade generalizada, mas o da interioridade universal: ter em si tudo o que nos contém.
A extensão, a corporeidade, não é o espaço onde o ser é exterior a qualquer outra coisa (partes extra partes) com uma intensidade que coincide com o seu conatus sese conservandi. O espaço é, pelo contrário, a experiência onde qualquer coisa se expõe a ser atravessada por qualquer outra coisa e se esforça por atravessar o mundo em todas as suas formas, consistências, cores, odores.
O espaço e a extensão são, portanto, as forças que permitem a toda a coisa respirar, estender-se e entrelaçar-se no sopro: respirar é deixar-se penetrar pelo mundo para fazer do mundo alguma coisa que é também feita do nosso sopro.
Tudo respira e tudo é respiração na medida em que tudo se compenetra.