Georges Didi-Hubermann
Gestes d’Air et de Pierre
Les Éditions de Minuit, Paris, 2005
[Tradução MdC]
[13] Marcel Proust morreu de asma nervosa. Os médicos revelaram-se impotentes perante a doença, “mas não o próprio escritor”, como lembra Walter Benjamin, “que deliberadamente a colocou ao seu próprio serviço”, sobretudo para extrair algumas imagens fortes: “O ruído da minha respiração sobrepõe-se ao da minha pena.”
Benjamin comenta que “esta asma entrou na sua obra, a menos que seja uma criação da sua arte. A sintaxe conjuga-se ao ritmo das crises de ansiedade e asfixia. E a sua irónica, filosófica e didática reflexão torna-se sempre um modo de respirar de alívio, quando o peso das memórias lhe é retirado do coração. Mas numa maior escala, a morte que esteve sempre presente no seu espírito e que o ameaçava, especialmente quando escrevia, era a morte por asfixia. Foi dessa forma que a morte permaneceu diante dele muito antes da doença atingir estados mais críticos.” […]
Assim que percebemos como particularizar a persistência das memórias do olfato (que não são o mesmo que odores presentes na memória), não podemos tomar como acidental a sensibilidade de Proust em relação aos cheiros.
Certamente que a maioria das memórias que estudamos nos aparecem como imagens visuais.
E essas memórias olfativas, que também são formações livres da memória involuntária, são ainda imagens visuais, surgindo muitas vezes isoladas, mas cuja presença permanece enigmática. E é precisamente por isso que, se queremos conhecer a vibração mais secreta da sua obra, devemos penetrar numa camada singular e mais profunda desta memória involuntária, onde os seus elementos não nos falam mais de forma isolada, ou sob a forma de imagens, mas antes sem imagem e forma, como o peso da rede que avisa o pescador da sua captura. O cheiro é essa sensação de peso para quem lança uma rede no oceano do tempo perdido.
[14] O ar é o maior veículo, o portador da palavra. É o meio físico graças ao qual — e através do qual — ela chega até nós. Mas o ar é já, na boca e nos pulmões do orador, matéria quase orgânica articulada, acentuada, respirada e modulada, o fraseado da nossa fala, do nosso pensamento. É de admirar que a grande obra de Pierre Fédida sobre a ausência — esse “trabalho de uma vida”, como Gilles Deleuze, em 1978, já o descrevia — tenha ganho a consistência, nos últimos dez anos de vida, de um pensamento do ar como sendo, não apenas o veículo da fala — do lamento e da canção —, mas também o meio do figurável, o próprio movimento atmosférico e fluido, o inconsciente enquanto tal?
[26] Quando inspiramos, o ar ambiente é por excelência material da exterioridade, que penetra o nosso corpo até ao fundo dos pulmões, muito fundo, quase até às entranhas. Quando expiramos, é a matéria da nossa interioridade que se manifesta no sentido contrário, espalhando-se no espaço circundante.
Essa troca tão comum quanto necessária para a manutenção da vida, é dotada, sabemo-lo, de uma grande plasticidade psíquica.
Num estudo agora clássico, Daniel Lagache mostrou o papel eminente da respiração como gatilho para alucinações verbais:
“Entre o discurso normal e o discurso alucinatório, não há um intervalo livre. Sufocado pela abundância e rapidez do discurso, o paciente respira ruidosamente e o início do processo alucinatório inscreve-se nessa recuperação. Apesar desta circunstância, que é apercebida pelo paciente de forma confusa, comparando o discurso parasita a um fole de forja, o processo alucinatório não tem tendência tornar-se numa “voz interior” e, apesar de “inspirada”, a voz permanece longe. […] A passagem do fluxo expiratório de ar pela laringe e pela boca é a matéria que informa a fonação e a articulação, no discurso normal e em certas, senão em todas, as alucinações verbais.”