Com A Recoletora e a herbalista Fernanda Botelho
9 MAR 2024 14:30–16:30
Ponto de encontro: LARGO DO PADRE BALTAZAR GUEDES (JUNTO AOS SALESIANOS DO PORTO)
Desde os primeiros rituais fúnebres que o homem tenta encontrar um lugar comum entre os que partem e os que ficam. As plantas que habitam os cemitérios, especificamente as cultivadas, os arranjos florais ou aquelas alegoricamente representadas na estatuária fúnebre, surgem frequentemente neste contexto como a forma simbólica de honrar e proteger os mortos, ou de expressar sentimentos tão variados como a partida, a recordação, a dor, a saudade, o amor.
E que leituras poéticas podemos fazer da flora espontânea do contexto cemiterial? Estarão os mortos a dar-nos “oferendas” (simbolicamente falando) sem que nos apercebamos disso? Serão as plantas espontâneas o terreno onde vivos e mortos se tocam e comunicam? Poderá a flora silvestre comestível que desponta nos caminhos do cemitério, nas juntas de mármore dos jazigos ou na terra que cobre o caixão dos nossos entes queridos, ser a forma que os mortos têm de nutrir e cuidar dos vivos?
O Prado do Repouso, o primeiro cemitério público da cidade do Porto, é provavelmente o caso de estudo adequado para ensaiarmos respostas a estas questões. O Prado do Repouso surgiu em 1839 nos terrenos de uma antiga quinta de recreio, a Quinta do Prado do Bispo, e é um espaço invulgar no panorama cemiterial nacional: os seus 10 hectares são bastante agradáveis, espaçosos, verdes e arborizados; acredita-se, inclusivamente, que algumas das suas árvores mais grandiosas, como o plátano (Platanus x acerifolia), o Tulipeiro-da-Virgínia (Liriodendron tulipifera) ou o Cipreste-japonês (Chamaecyparis obtusa) datam dessa época. Para além disso, acolhe uma arte funerária muito própria, com obras de Soares dos Reis ou Teixeira Lopes, onde se destaca a predominância do neogótico, a monumentalidade dos jazigos e, naturalmente, a utilização do granito.
Nesta deriva, vamos percorrer o cemitério do Prado com os olhos postos na diversidade vegetal — seja ela cultivada ou espontânea, de grande porte ou rasteiro, viva ou inanimada, decorativa ou ritualística —, expandindo narrativas e desenvolvendo novas formas de nos relacionarmos com estes locais, sobretudo associados com a perda. Vamos aprender sobre os usos alimentares, terapêuticos e simbólicos da flora silvestre enquanto deambulamos, para assim encontrarmos o cipreste altaneiro (que indica o caminho do céu e evoca a ideia de imortalidade a partir da sua folha perene), a perpétua-das-areias (que simboliza, literalmente, a eternidade, por manter a sua cor e aspeto inalterados durante muito tempo depois de cortada), a calêndula (cujas pétalas se fecham sempre que o sol não brilha, representando assim o desgosto) ou a pervinca (designada pelos italianos como fiore di morte e usada na decoração de caixões de crianças desde a época medieval).
As ligações entre a morte e a vida, a ritualidade, a posse da terra, o direito ao cultivo, a agricultura urbana, o uso de químicos na prática funerária contemporânea, a compostagem de cadáveres humanos (técnica fúnebre ecológica que acelera a transformação do corpo em terra 1), o simbolismo das plantas ou o versículo do livro de Génesis “Lembra-te que és pó e ao pó voltarás”, são alguns dos temas paralelos que iremos explorar durante este percurso.
A inscrição neste percurso inclui a oferta de um caderno de notas ede uma bebida silvestre (aconselha-se a levar um copo para beber uma infusão feita à base de ervas silvestres que vamos oferecer no final). Atividade não coberta por seguro de acidentes pessoais.
A Recoletora é a prática comum do artista Alexandre Delmar e da designer Maria Ruivo, dedicada ao estudo dos lugares de reciprocidade e interação entre as comunidades humanas e as vegetais. O nosso trabalho alia uma ação contínua de pesquisa, inventariação e mapeamento das plantas espontâneas comestíveis ao resgate de conhecimentos ancestrais e contemporâneos, propondo uma redescoberta da cidade através da recoleção e da deambulação pelos territórios do baldio urbano e da paisagem construída. Juntamos botânicos, herbalistas, chefs, artistas, arquitetos e designers num projeto colaborativo e itinerante, que tem como objetivo trabalhar as temáticas relacionadas com a autonomia alimentar, a recoleção, o herbalismo, os saberes-fazer tradicionais, a paisagem, a memória, a etnobotânica ou a literacia ecológica, promovendo ações participativas como cartografias, caminhadas guiadas, workshops, refeições partilhadas, performances, conversas, exposições e publicações.
Fernanda Botelho (Sintra, 1959; vive e trabalha a partir de Sintra) é especialista em plantas silvestres, nomeadamente nos seus usos medicinais e culinários. Viveu 17 anos em Inglaterra onde fez formações em Botânica, Fitoterapia e Pedagogia. Estudou plantas medicinais na Scottish School of Herbal Medicine (1997). Tem o Curso de guia de jardim Botânico da Universidade de Lisboa (2006). É colaboradora do programa Eco-Escolas e autora de uma coleção de livros infantis: Salada de Flores (2011), Sementes à Solta (2013) e Hortas Aromáticas (2016). Escreveu As plantas e a saúde (2013), Uma mão cheia de plantas que curam — 55 espécies espontâneas em Portugal (2016), Ervas que se comem (2021), Flores que se comem (2022) e o recém-lançado Plantas do Mundo (2023). Publica anualmente, desde 2010, uma agenda de Plantas Medicinais. Organiza passeios guiados e workshops de reconhecimento de plantas a convite de várias entidades. Colabora, desde 2021, com A Recoletora.
BILHETEIRA ONLINE
Nos espaços do Museu do Porto ou Biblioteca Municipal Almeida Garrett.
Inscrições
2€
Cartão Porto, titulares do cartão Bibliotecas Municipais, colaboradores CMP e Empresas Municipais
1€
Estudantes
1,40€
Limite de 20 participantes. + info educativo.museudoporto@cm-porto.pt. ou (+351) 226 057000.