Por Nuno Faria
10 Janeiro 2021
No dia 13 de fevereiro de 2020, a nova identidade gráfica, geográfica e semântica do Museu da Cidade foi apresentada à cidade do Porto na Galeria Municipal Almeida Garrett.
Afirmámos, nesse dia feliz, que o Museu da Cidade se movia a duas velocidades: a urgência de começar, de lançar as bases de uma refundação, e a demora de instalar, remontar, produzir discurso, acolher contributos, propor leituras.
Desde então, o mundo mudou um pouco mais ainda. Abateu-se sobre nós uma pandemia à escala global, sem precedentes, que conduziu a dois confinamentos e nos condenou a um estado de suspensão que, a ter algum aspeto positivo, nos obriga a repensarmos o nosso lugar no mundo e o papel ou a função das instituições que criámos e que mantemos.
Evoquemos a quinta de seis conferências/propostas proferidas em 1985, em Harvard, por Italo Calvino. A quinta proposta de Calvino para o próximo milénio é a multiplicidade. Onde Calvino se refere ao romance contemporâneo propomos que se leia museu contemporâneo. A ele se refere, então, “como enciclopédia, como método de conhecimento, e principalmente como rede de conexões entre os factos, entre as pessoas, entre as coisas do mundo.”
Calvino enumera várias formas de romance, embora as tentativas mais bem sucedidas são aquelas onde o livro, leia-se o museu, em vez de tentar trazer o universo inteiro para dentro de si, abre-se a ele: “o que conta não é o seu encerramento numa figura harmoniosa, mas a força centrífuga que dele se liberta, a pluralidade das linguagens como garantia de uma verdade que não seja parcial.”
É assim que queremos que seja o Museu da Cidade, um lugar de turbulência do pensamento que não se cristalize na sua dimensão simbólica e no pavor da perda de memória.
Procuramos fundar um museu democrático, aberto, transversal na sua acessibilidade, um museu novo para tempos novos, um espaço que crie comunidade e que propicie o florescimento, a afirmação da individualidade de cada um.
A tarefa é grave. Os museus, como os entendemos, não são lugares de distração, são lugares que nos fazem viajar à raiz mesma de nós próprios, lugares de concentração onde afinamos a atenção.
Num mundo em crise, numa altura em que verdadeiramente, seriamente se nos afigura podermos estar em face da extinção da nossa espécie — visão impensável e intolerável há bem pouco tempo —, é preciso repensar a vocação e a validade dos museus, perguntar se nos continuam a servir. E como nos podem servir.
Não procuramos coerência mas relevância.
E a relevância constrói-se em torno de vários estratos, mas sobretudo, pensamos, inscrevendo o museu na contemporaneidade, nesse sentido de urgência e de demora, equilibrando duas formas de experiência: a experiência do tempo quotidiano e a experiência do tempo sem tempo, aquele que nos liga às nossas raízes, as que conhecemos e as que não conhecemos.