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Post Scriptum sobre a alegria tecida de luz de um encontro que falta sempre

Inauguração da exposição «Post Scriptum Sobre a Alegria». Fotografia de Guilherme Costa Oliveira

Numa carta escrita a várias mãos e largos parágrafos, a homenagem que o Porto vem fazendo a Eugénio de Andrade está longe de saber como – ou sequer querer – terminar. Depois de várias celebrações a propósito dos 100 anos que o poeta completaria em 2023, há sempre mais que ainda falta contar sobre Eugénio. Post Scriptum Sobre a Alegria é a exposição que reúne inéditos da coleção artística e do acervo documental do “poeta da luz”.

 

«Não tenho outra palavra que não seja ‘alegria’ por ver a cidade celebrar o seu património literário e os seus jardins, onde temos o espaço ideal para homenagear um poeta que disse que, no Porto, encontrou a praça onde aprendeu, metodicamente, a ser árvore».

Assim partilhou Jorge Sobrado, que, ao lado de Rita Roque, assume a curadoria da exposição, inaugurada no primeiro dia da 11.ª edição da Feira do Livro do Porto, lugar de homenagem perene a Eugénio de Andrade. Uma «homenagem justíssima« numa exposição de «caráter inédito, revelador, um cometa que vai passar pela cidade nestes dias tão felizes».

Pela primeira vez, acredita o curador, vai ser possível ao público «tomar contacto com a encantatória constelação artística que o poeta foi colecionando ao longo da sua vida e que reúne uma extensa galeria de artistas visuais».

Pelo espaço se testemunha a amizade de quatro décadas com José Cruz Santos, com «um primeiro vislumbre sobre o acervo íntimo literário e epistolar que Eugénio de Andrade manteve com o seu editor». Um espólio agora “resgatado, salvaguardado de uma possível perda ou saída da cidade” e que, explica Jorge Sobrado, fica «à guarda do Museu do Porto para ser tratado, estudado e mostrado».

 

«[Este é] um diálogo entre a coleção artística e um acervo documental, inéditos, ambos, na sua apresentação e inéditos, também, neste diálogo que, no fundo, nos transporta para a exigência e para a dimensão estética do poeta.»

 

Nas palavras do curador, o que se assiste é a «um diálogo entre a coleção artística e um acervo documental, inéditos, ambos, na sua apresentação e inéditos, também, neste diálogo que, no fundo, nos transporta para a exigência e para a dimensão estética do poeta Eugénio de Andrade».

Para Rita Roque, esta «era a homenagem que faltava”. “O PS é sempre aquela nota de rodapé que damos para corrigir a mão ou para sinalizar algo que devia ter sido dito e não foi dito a tempo», explica.

Foi por isso, partilha a curadora que «emoldurámos e restaurámos peças, fizemos um costa-a-costa com diferentes autores, um pouco a lembrar o sistema da [arquiteta] Lina Bo Bardi, criámos mesas com documentação que foi recentemente adquirida a José Cruz Santos».

A mostra arranca com as pinturas, compradas pelo Município do Porto, de Armando Alves, editor gráfico do poeta e um dos vértices da triangulação com Eugénio e Cruz Santos que lhe dá forma.

 

«Há sempre esta coisa de dar a ver algo que parece que, à primeira vista, está escondido e tem uma grande força, também, de dar a ver os gestos da mão, esses que seriam, para Eugénio, os mais belos sinais da terra»

 

A partir daí, o espaço acolhe «muita documentação, muitas cartas, correspondência do Eugénio com artistas e com o seu editor», ao lado de «muitos manuscritos, datiloescritos, que foram corrigidos pelo próprio poeta», continua a curadora.

Há, nas paredes, dezenas de perspetivas de retratar Eugénio, pelas mãos de Carlos Carneiro, Júlio Pomar, Júlio Resende, José Rodrigues ou Graça Martins, e esculturas oferecidas, de um lado e dos outros. Eugénio pela arte dos amigos, num diálogo sobre o diálogo da poesia com todas as artes.

E há, diz-nos Rita Roque, «sempre esta coisa de dar a ver algo que parece que, à primeira vista, está escondido e tem uma grande força, também, de dar a ver os gestos da mão, esses que seriam, para Eugénio, os mais belos sinais da terra».

 

«É uma alegria tecida de luz, ou melhor,
é como se luz e alegria fossem dois nomes
do mesmo amor.
Louvemos pois a alegria em tempos
de tristeza.
Ela, com o seu coração ardente de
melancolia, é um dos caminhos para o
solitário encontro do homem com o seu
rosto. Amén.»

 

«A poética de Eugénio de Andrade é um pórtico extraordinário para a iniciação à poesia, à música e para a iniciação ao ver, ao ver o mundo»

 

Afinal, depois de uma longa carta, o que falta dizer sobre Eugénio? Para Rita Roque, «falta sempre o encontro com o poeta». «Falta estas novas gerações olharem para a frescura destas obras e, de alguma forma, dar a ver a metodologia de trabalho do poeta porque há sempre documentação que vai aparecendo e é aglomerada por outras coleções».

«Eugénio deixou tudo muito bem escrito, muito bem construído, e também deixou sinalizado que o seu objeto e a aproximação maior que as pessoas poderiam ter com ele era através da leitura da sua poesia», acrescenta.

Por isso, a curadora considera «de uma sensibilidade enorme» o trabalho que a Câmara do Porto está a fazer na aquisição de espólio de Eugénio de Andrade «para acrescentar ao seu legado».

Já no seu post scriptum ao poeta, Jorge Sobrado considera que Eugénio «se pode sempre apresentar como um terreno novo, fresco. A sua poética não está, de todo, esgotada».

«A poética de Eugénio de Andrade será sempre um pórtico para quem queira descobrir a musicalidade, o maravilhamento da palavra, a exatidão da palavra, estes atributos que são, profundamente, eugenianos. É um pórtico extraordinário para a iniciação à poesia, à música e para a iniciação ao ver, ao ver o mundo».

 

Com alegria, Porto.

 

PS: «Post Scriptum Sobre a Alegria» pode ser visitada, no Gabinete Gráfico, na Biblioteca Municipal Almeida Garrett, até ao dia 22 de setembro.

 

Texto: Porto.